terça-feira, 2 de julho de 2013

O leitor compulsivo

Quem na leitura encontra um prazer inadiável, quem faz da leitura uma companhia de excelência, quem sente uma atração irresistível pelos livros – esses sabem que o livro é um objecto único, de culto, mas também sabem quão difícil é suprir a urgência de ler, porquanto no tempo de uma vida (que sempre é tão exíguo) não cabem todos os livros que sentem a necessidade de ler.

O leitor compulsivo quer abarcar o máximo de livros possível – e depara-se com o problema do tempo. E também com o da escolha – tanta a há e tão difícil se torna tomar a opção por ler o último do Mia Couto em detrimento do último do Lobo Antunes, ou vice-versa, até porque ainda não se leu o último do Agualusa, e na estante estão os clássicos – não houve tempo para ler todos os volumes de À Procura do Tempo Perdido, e isso custa ao leitor, mas interrompeu a leitura para dar continuidade ao D. Quixote, que veio na sequência de Édipo Rei, mas entretanto foi inevitável ler os poemas de Sophia.

O leitor que quer abarcar todos os livros sabe que isso não passa de uma ilusão, que poderá apenas ler uma ínfima parcela da extraordinária oferta que há. Que poderá fazer esse leitor para não viver na constante frustração de que nunca conseguirá ler senão muito pouco comparado com o que deseja abarcar? Pode, é óbvio, tomar opções – aliás, tem de tomar opções. Pode tomá-las com base nos seus autores de eleição, pode tomá-las com base nas novidades que vão saindo, pode tomá-las com base nas temáticas, nas épocas literárias, nos géneros, enfim, tem uma vasta possibilidade de se organizar para tomar opções. Mas mesmo que assim organizadamente proceda, o leitor compulsivo nunca vai ler o que tem vontade de ler. Tem, então, de estabelecer prioridades. E, para as tomar, pode proceder de modo semelhante ao que se referiu para tomar opções – até porque as prioridades não são senão opções. Dar prioridade a um livro em detrimento de outro é, para o leitor compulsivo, algo não pouco difícil, dado este, como amante irremediável dos livros, se sentir compelido a tomar vários caminhos: quero ler o Al Berto, quero ler A Montanha Mágica, quero dar continuidade aos contos do Poe, que interrompi porque comecei a ler o Evangelho segundo Jesus Cristo.

O leitor compulsivo será sempre um insatisfeito, nunca tomará as opções e as prioridades mais adequadas porque, para ele, todos os livros são uma opção incondicional e todos os livros são uma prioridade. De facto, o leitor compulsivo tende a ser desorganizado – para além de insatisfeito. O leitor compulsivo é um ser necessariamente frustrado e ansioso, que tem uma meta quimérica.

Todavia, caro leitor desta crónica, onde andam esses leitores compulsivos? São tão raros que, deles falando, se sente talvez já nem existirem, não passarem de um produto da imaginação. Conheci leitores compulsivos: ávidos, com conflitos de fazer escolhas, de estabelecer prioridades, com a frustração de deixar sempre tanto para trás, com a falta de organização que a avidez cria. Gostava de os reencontrar.

Paula de Sousa Lima
Crónica Publicada em Açoriano Oriental, "PRL Presente", 27 de junho de 2013